A nova geração da robótica e as formas mais
recentes de automação e de “inteligência artificial” estão a suscitar novas controvérsias.
Entre as “promessas” de uma vida preenchida pelo ócio em vez do trabalho e as “ameaças”
de uma generalização do desemprego, pobreza e precariedade é hora de nos
interrogarmos quanto aos impactos prováveis da nova onda de inovação no mundo
do trabalho e na sociedade.
O fenómeno não é inédito. Como sabemos, a ameaça
do maquinismo remonta ao período da I Revolução Industrial (1ª RI), quando
diversas lutas operárias, como o movimento “Ludista”, desencadearam diversas ações
violentas contra os novos equipamentos fabris que ameaçavam roubar-lhes os
postos de trabalho. Tais temores repetir-se-iam ciclicamente, como ocorreu há
mais de cem anos com o surgimento do automóvel a motor, a lâmpada elétrica e a
cadeia de montagem de F. Taylor (2ª RI) ou, já nos finais do século passado,
com a “3ª vaga” da inovação tecnológica (3ª RI), tão aplaudida e questionada
por autores célebres como Alvin Toffler e Daniel Bell. Sabemos hoje que os impactos
dessas “revoluções” não extinguiram o trabalho assalariado nem tornaram
aliciante o princípio enunciado no livro de Ivan Illich: O Direito ao Desemprego Criador. A ideia do pleno emprego continuou
a ser a base de um horizonte de justiça social e coesão.
O que tem acontecido até agora é que os inventos
técnicos ajudaram a transformar o mundo do trabalho, recompondo profundamente
as profissões, as formas de ocupação e os vínculos laborais, mas há muito que os
velhos manuais de sociologia do trabalho denunciaram o “determinismo
tecnológico” por ser uma ideia equivocada. A tecnologia não constitui o
elemento determinante das formas de trabalho, mas sim um fator de produção que
o sistema económico adapta na prossecução da melhor rentabilidade. Tal como aconteceu
no passado, a inovação técnica destrói profissões obsoletas, mas ao mesmo tempo
inventa novas atividades, serviços e empregos. Foi dessa forma que a produção
fabril se impôs ao trabalho braçal na agricultura, que a produção em cadeia se
impôs ao artesanato e que, mais recentemente, a “economia dos serviços”
transcendeu a atividade industrial e impôs o “conhecimento” como o vórtice da
nova orientação produtivista. Daí não resultou um desemprego massivo mas, pelo
contrário, em diversos momentos a inovação tecnológica aproximou-nos do pleno
emprego. E um dos problemas a colocar é que o recente surto de inovação obedece
a uma força desenfreada dos mercados globais perante o preocupante recuo das
políticas públicas.
Na última década, entrámos na era da chamada
Industria 4.0 (a 4ª RI), a qual estará a induzir uma viragem de novo tipo. Este
novo paradigma da inovação e seus efeitos na economia real funda-se em
características como: (i) a clientelização em massa, baseada no uso de
tecnologias avançadas, com recurso à produção de design em 3D e protótipos a
baixo custo, o que favorece a descentralização da produção para junto de
potenciais clientes; (ii) a interconexão entre plataformas digitais facilitadoras
de rapidez apoiadas no trabalho à distância e na oferta de serviços inovadores,
nomeadamente através da Internet das Coisas; (iii) o desenvolvimento da robótica
com a nova geração de robots adaptáveis a diferentes contextos, necessidades e
serviços; (iv) as redes de produção descentralizada geradoras de uma ilimitada
flexibilidade na organização produtiva; (v) a fragmentação cada vez mais
generalizada de funções produtivas e cadeias de valor na escala global,
aumentando o recurso ao trabalho digital; e por fim (vi) a interpenetração de
fronteiras entre indústria e serviços e entre produção e consumo.
Este novo patamar de inovação pode, de facto,
assumir consequências inéditas no campo do emprego. Não é só o emprego protegido
e o trabalho digno que estão em causa. É a generalização de formas cada vez
mais efémeras de subemprego, rotatividade e desemprego estrutural para amplos
segmentos da força de trabalho. Segundo um relatório do Fórum Económico Mundial
prevê-se que nos próximos dez anos serão extintos cerca de 5 milhões de postos
de trabalho nas quinze economias mais avançadas (já descontados os empregos
entretanto criados). Espera-se que a aceleração da mudança nas atividades
económicas irá tornar o mercado de emprego irreconhecível no final da próxima
década. Em Portugal nasceram mais de 300 mil Startups entre 2007 e 2015. Apesar da curta vida de muitas delas,
52% atingiram os três anos e 41% chegaram ao quinto ano de vida. Segundo um
relatório da D&B, só em 2015 foram criadas 35.555 Startups, sendo que, a cada empresa encerrada foram criadas em
média 2,2. No mesmo ano, esse segmento foi responsável por 18% dos novos
empregos criados, mas se considerarmos o período entre 2010 e 2015 esse valor
sobe para 43% do emprego gerado. Muitas destas iniciativas são empresas em nome
individual e, como se percebe pela alta taxa de mortalidade, a maioria tenta
dar os primeiros passos num terreno muito instável. Boa parte delas acaba por
perecer sob os escolhos da precariedade em que se encontram, ou apenas existem
enquanto não esgotam os incentivos financeiros.
Em suma, apesar da extensão e intensidade da
mudança em curso, convém não ignorar a persistência de algumas linhas de
continuidade. Uma delas reside no facto de que, não obstante os novos meios
tecnológicos, no plano económico mantem-se a velha lógica do “refazer do
pacote”, isto é, o velho principio de que “o vencedor fica com tudo”, beneficiando,
portanto, os monopólios e oligopólios. A novidade pode residir, quer na rapidez
da aceleração dos procedimentos quer na possibilidade de partilha em economias
de escala ou ainda no intercâmbio interpares. Mas o outro lado da moeda reside
sobretudo na primazia do marketing agressivo
e na facilidade com que se gera, hoje, uma “ilusão de escolha” por parte de
clientes e consumidores (ludibriando o sentido de “liberdade” individual associada
ao design e a uma marca “distintiva”).
O sonho do empreendedorismo individualista pode
oferecer oportunidades a uma ínfima minoria, mas é enorme o risco de agudizar
ainda mais as desigualdades sociais (e salariais). Este cenário obriga-nos a
alertar para a urgência de um debate e de um pensamento estratégico que envolva
uma efetiva responsabilização de governos, instituições democráticas e agentes
políticos. O campo sindical teria aqui uma oportunidade de negociar o desfecho
das tendências em curso, minorando os seus prováveis custos sociais. Algumas
das matérias em causa nessa reflexão incluem temas decisivos tais como o
Rendimento Básico Incondicional (RBI), os horários de trabalho e novos
critérios de uso do tempo, a sustentabilidade da segurança social, as políticas
fiscais, os direitos de propriedade (e sua taxação) e a própria função do
trabalho enquanto fator de reconhecimento. Se o trabalho assalariado foi uma
plataforma decisiva da mobilidade social e do crescimento das classes médias
não-proprietárias – condição decisiva da coesão da sociedade –, não faz sentido
antever uma sociedade rigidamente dividida entre insiders e outsiders,
ainda que estes sobrevivam da caridade pública (RBI). Uma eventual redução
substancial dos horários de trabalho terá de ser conjugada com políticas
fiscais e formas de contribuição social que invertam o atual rumo e recuperem o
sentido de uma sociedade mais inclusiva e emancipada.